Seguindo a Onda

Toda pessoa já passou pela situação de comprar um determinado produto pelo fato de ele estar na moda. Muitas vezes, a escolha não é feita por um aspecto racional, mas sim pela busca de aceitação dentro de um coletivo de referência. A busca pelo produto acaba não passando por uma filtragem que poderia legitimar a real necessidade dele na vida da pessoa. A ideia passa a ser apenas a de “seguir a onda”.

Dentro desse contexto, podemos dizer que a moda com o menor prazo de validade possível se refere à contratação de treinadores no futebol brasileiro. Em 2014, após a vexatória derrota para a Alemanha, Felipão e sua trupe foram duramente criticados e colocados como grandes símbolos do retrocesso futebolístico do país. Após esse episódio, a aposta de clubes brasileiros se tornou a chamada “nova geração de treinadores”, representada principalmente por jovens como Eduardo Baptista, Jair Ventura e Roger Machado. Esse grupo era visto como a grande esperança de uma nova era no futebol brasileiro.

Porém, nem dois anos se passaram e esses treinadores já foram colocados de lado por não terem conseguido sucesso quando chegaram em times de maior estrutura. Eduardo Baptista não durou um semestre no Palmeiras e Jair Ventura teve passagens melancólicas por Santos e Corinthians. Roger Machado chegou a fazer um bom trabalho no Grêmio, mas logo retrocedeu após períodos sem destaque por Palmeiras e Atlético-MG.

Dentro desse cenário, o Palmeiras se sagrou campeão brasileiro em 2016 com o veterano Cuca no comando. Em 2018 também faturou a taça com – quem diria – Felipão, em campanha onde obteve 81,8% de aproveitamento. Por conta do sucesso destes comandantes, a moda voltou a se pautar na contratação de um técnico “paizão” e “boleiro”, que sabe gerir bem um grupo heterogêneo de atletas.

Em 2019, o único time com recursos suficientes para enfrentar o Palmeiras era o Flamengo, que, seguindo a onda, foi atrás do experiente Abel Braga. O treinador multicampeão pelo Inter-RS tinha um elenco recheado de boas peças. Mesmo assim, não conseguiu encaixá-las em um padrão de jogo que encantasse. Depois de primeiro semestre com futebol nada empolgante, acabou pedindo demissão na metade do ano após atritos com a diretoria. Semanas depois, o Flamengo anunciava a contratação daquele que seria o treinador estrangeiro com maior sucesso dentro do território nacional.

Note que não estou elogiando o processo de escolha feito pela direção rubro-negra, pois a contratação de Jorge Jesus foi um tiro no escuro, ou seja, não foi pautada por critérios técnicos específicos. Após a saída de Abel, o Flamengo não tinha um perfil de treinador definido – como, aliás, nenhum time brasileiro tem no momento de buscar um comandante. O clube deu sorte de ter acertado com um técnico diferenciado e que quebrou diversos paradigmas existentes na cultura futebolística do Brasil.

A consequência do legado de Jorge Jesus não poderia ter sido outra. Uma avalanche de treinadores “gringos” de diferentes estilos embarcou nos clubes brasileiros. Porém, o resultado era esperado. Diversos destes técnicos foram contratados simplesmente por terem uma nacionalidade diferente. Ou seja, esse embarque ocorreu porque os clubes estavam apenas cumprindo o protocolo já conhecido. Estavam seguindo a nova onda.

Isso proporcionou experiências até humilhantes, como a vinda do português Jesualdo Ferreira, que foi demitido dias após a volta da parada do futebol decorrente da pandemia que ainda assola o País. Outra dessas contratações vexatórias aconteceu com o próprio Flamengo, que contratou Doménec Torrent na metade do ano e o demitiu três meses depois. E não para por aí: Rafael Dudamel no Galo e Augusto Inácio no Avaí são outros exemplos de escolhas absolutamente precipitadas das direções dos clubes e que geraram resultados trágicos.

Nesse contexto, o Atlético-MG acertou com Jorge Sampaoli, treinador que já havia feito um excelente trabalho no Santos em 2019 e que, assim como Jorge Jesus, contribui para essa nova moda. Apesar da terceira colocação no equilibrado campeonato brasileiro, a passagem do argentino deixou a desejar. Após a saída do argentino no final da temporada para a França, o clube, ao invés de seguir mesma filosofia de jogo do antecessor, resolveu buscar o treinador que estava em alta no momento, ou seja, resolveu buscar o treinador da moda (quanta novidade!). Cuca havia acabado de fazer temporada excelente no Santos, com o vice-campeonato da Libertadores. Mesmo com ideia de jogo absolutamente antagônica se comparado com Sampaoli, o Galo foi atrás do treinador campeão da Libertadores em 2013, demonstrando clara falta de conceito e de critério na seleção.

É possível notar, após essa análise histórica das contratações de técnicos nos últimos anos, que os clubes, com raríssimas exceções, não sabem o que querem. Não importa se o treinador é mais reativo, se ele joga com linhas altas pressionando o adversário ou se prefere um jogo mais vertical. O que vale é que ele esteja em alta no mercado e que gere aceitação da torcida, mesmo que em curto espaço de tempo. Os casos apresentados deixam claro que o processo de seleção de treinadores persiste como o cerne dos problemas do futebol brasileiro, fruto de despreparo sem precedentes dos dirigentes.

Escrito por: Guilherme Vidal Martins Couto

Guilherme é bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Entusiasta do esporte, é colaborador do The Whaler e o melhor narrador de videogame do Brasil.roulette 222

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