Mudar ou Manter?

A pergunta acima ronda a cabeça dos treinadores na preparação para as partidas, independentemente do esporte praticado. Devo me adequar às características do adversário para atingir seus pontos fracos ou sustento minhas convicções e potencializo as habilidades e encaixes da minha equipe?

É comum, no futebol brasileiro, nos depararmos com técnicos monotemáticos, que abraçam ideias e não desgrudam de forma alguma, seja por não saberem implementar outro modelo de jogo ou por serem extremamente idealistas.

Sylvinho e Fernando Diniz (com a devida vênia para não difamar o treinador corinthiano, ainda em início de carreira) são taxados pelo público como exemplos de treinadores unidimensionais. O primeiro, por aparente inexperiência, segue amarrado ao esquema 1-4-1-4-1 e somente mexe nas peças dentro da mesma estrutura, como quando coloca Roger Guedes ou Renato Augusto centralizados no ataque, sem eles terem as valências essenciais à posição.

Já Diniz é fiel ao jogo construído e de imposição pela posse da bola. Seja em times predominantemente técnicos, como o São Paulo de 2020, ou os em que há clara falta de qualidade, vide o Vasco de 2021, Fernando Diniz preconiza a troca de passes e o jogo apoiado para alcançar o ataque, englobando todas as vulnerabilidades advindas dessa dinâmica ofensiva. Em ambos os trabalhos citados, foi criticado por ser íntegro em relação à filosofia de jogo.

Sylvinho, com o braço direito esticado à frente. À direita, Fernando Diniz acenando para a torcida

Sylvinho, à esquerda, e Fernando Diniz, à direita, são reprovados por seus estilos de jogo

Do outro lado, treinadores que tentam se adaptar às variáveis de cada partida, se os resultados não vêm, são chamados de inventores. “Faça o simples” ou “deixe o time jogar junto para treinar” são comentários recorrentes nessas situações e repetidos efusivamente nos programas esportivos.

Tite, treinador da Seleção brasileira, ao utilizar as eliminatórias da Copa-2022 para experimentar jogadores e estratégias, foi veementemente condenado pela Amarelinha não ter identidade e ser “refém do Neymar”. Tentar, geralmente, custa resultados de curto prazo, mas garante opções para solucionar problemas em longo prazo. Porém, a paciência dos torcedores se esvai antes de enxergarmos a conclusão desse ciclo.

Tite com os braços cruzados e o dedo indicador sobre a boca

Nem mesmo com campanhas históricas nas eliminatórias para Copas do Mundo, Tite escapa das críticas

Portanto, o que é melhor? Mudar ou manter?

Não há resposta certa e universal.

Mas há indícios e padrões que permitem identificarmos em quais casos se adaptar ou enrijecer o modelo de jogo é benéfico. Vejamos quais são:

  • Equipe com Ampla Superioridade Técnica/Tática: Quando falamos em um time se impor sobre outro, o que significa? O time em superioridade técnica/tática, ao encarar adversário vulnerável, tem a possibilidade de destilar seu planejamento em campo com maior fluência. Ele determinará o ritmo do jogo, posição da bola e o comportamento do adversário. Logo, ele manterá suas raízes ligadas a sua essência de jogo. Não há motivos para se mutar às características do rival, precisando potencializar suas principais virtudes para vencer a partida.

 

  • Torneios Mata-Mata: Campeonatos com chaveamento, em especial no 2º jogo eliminatório, incorporam demasiadas pressão e imprevisibilidades. Se expor demais pode significar a glória ou o fracasso. Por isso, times dos mais diferentes portes abusam da defensividade. É raro vermos equipes propositivas nesses jogos, a não ser que estejam atrás no placar. Por segurança, até mesmo o mais ofensivo do técnico irá dar atenção especial ao sistema defensivo.

 

  • Finais/Clássicos: Com destaque para o Brasil, mais importante que ganhar é não perder. Clássicos e finais exaurem componentes emocionais capazes de ebulir torcida, diretoria e jornalistas. Um deslize e a demissão é certeira. Há bastaste temor dos treinadores nesses jogos e isso se reflete em como dispõem os atletas em campo. Não à toa vemos cada vez mais jogos decididos em bolas paradas e disputas de penalidades.

 

No cenário utópico do futebol inglês, o maior exemplo de sucesso futebolístico atual, Pep Guardiola, dá sua resposta à pergunta proposta de maneira genial: simultaneamente, se adapta e também mantém seu modelo de jogo.

Mas como fazer isso?

Guardiola mantém a essência do seu jogo em todas as partidas. Você verá aproximação dos jogadores no meio de campo, atletas sobre a linha lateral (dando amplitude máxima), saída Lavolpiana (com 3 jogadores, além do goleiro) e liberdade de mobilidade dos atacantes em qualquer uma de suas equipes. Bayern, Manchester City e Barcelona, sob seu comando, eram fundamentalmente similares.

Porém, essas três equipes, ao mesmo tempo, eram completamente diferentes. Guardiola mantém o núcleo do que entende como vitorioso em seus times, como essas características e mentalidade ofensiva, mas abraça as valências e ambientes em que se insere.

O Bayern foi mais leve, mas manteve as históricas virilidade na marcação e verticalidade ofensiva. Em Manchester, construiu do zero a mentalidade do clube, apostando em velocidade, produção ofensiva e leveza dos jogadores da linha defensiva. Todos, sem exceção, são exímios passadores, inclusive o goleiro, o brasileiro Ederson.

As peças do Manchester City que dão amplitude variam jogo a jogo. Podem ser desde os laterais até os centroavantes. A saída de bola acontece com três zagueiros, com volante enfiado entre defensores ou até com dois laterais e um defensor de origem. O que importa é alcançar o resultado esperado com as melhores peças à disposição.

Pep Guardiola apontando com o braço esquerdo enquanto Gabriel Jesus o observa

O versátil Gabriel Jesus (esquerda) cumpre com louvor as determinações táticas de Guardiola (direita), incrementando seu futebol e o coletivo do Manchester City

Guardiola mantém a ideia de jogo, mas muda o que for necessário para incrementá-la. Seus objetivos são sólidos e o jogo se modula para alcançá-los.

Em outras palavras, tudo é adaptável se em favor do imutável.

Por Pedro Parada.

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