Hipocrisia dos Treinadores

No início de 2021, ao participar do programa Flow Sport Club, o atual treinador da Seleção Brasileira, Dorival Júnior, foi questionado por um internauta, na parte final da entrevista, sobre quais seriam as condições necessárias para que ele aceitasse um novo projeto. À época desempregado, o técnico, em tom risonho e jocoso, respondeu que, “no futebol brasileiro, a palavra ‘projeto’ é utopia”. Ao analisar a fala do técnico, é de extremo senso comum que a afirmação está em sintonia com uma crítica velada e já aceita no âmbito futebolístico nacional. Mas será que ela goza de integral veracidade?

Dorival Júnior se apresenta como técnico da seleção; confira trechos da coletiva | O TEMPO

(Fonte: Portal O Tempo)

Em 2019, após a demissão de Abel Braga do Flamengo, o jornalista Mauro Cezar Pereira teceu alguns comentários, em sua coluna no UOL, acerca dos bastidores do desligamento do experiente treinador. Na época, Abel se irritou com os dirigentes rubro-negros, alegando interferência quando lhe disseram para não escalar o time reserva em um jogo contra o Fortaleza. Ou seja, apesar do clube almejar o título da série A do campeonato daquele ano, o então técnico queria priorizar as competições de disputa por “mata-mata”, prática comum da chamada “velha-guarda”, e, diante da discussão com a diretoria, se enfureceu com a situação e, futuramente, veio a pedir dispensa da função que exercia.

Ora, convenhamos que é razoável que o Flamengo, clube hoje com receita recorrente superior a R$ 1 bilhão de reais, lute e concorra para vencer todas as competições que disputa. Neste caso concreto, Abel praticou um ato habitual no futebol brasileiro. Ele quis exercer monopólio sobre a gestão futebolística do clube e se colocou como um ser intocável. Não permitiu ao departamento de futebol que interferisse em planejamento que deveria – e sempre deve ser – executado em conjunto.

A situação supracitada mostra uma realidade bastante vigente no âmbito nacional. Treinadores de diversos times se colocam como vítimas do cenário atual e da crise generalizada que o futebol vive. São elencadas diversas críticas à falta de preparo de dirigentes, mas, muitas vezes, não se fala que o próprio treinador não está interessado na palavra “projeto”.

Voltando ao caso citado no primeiro parágrafo, Dorival Júnior demonstrou ter um vácuo moral gigantesco entre a teoria e a prática de suas ações. Quando recebeu convite da CBF para comandar sua comissão técnica, o técnico recebeu respaldo, do São Paulo, nunca antes visto no cenário de grandes clubes: Um contrato de três anos para ele e seus respectivos auxiliares, sendo que a diretoria executiva que trabalha com ele já havia renovado anteriormente.

A afirmação de que “assumir a seleção brasileira se trata de um sonho” é apenas uma desculpa para seguir o próprio rumo, que descarta e trata o clube como algo insignificante. Poucos meses antes, o mesmo treinador já havia feito o mesmo movimento ao deixar o Ceará, time que tinha uma gestão bastante integrada, para treinar o Flamengo. O Ceará, inclusive, foi rebaixado no Brasileirão daquele ano.

Evidente que é necessário fazer a ressalva de que o Brasil é, realmente, uma máquina de moer profissionais capacitados, mas os treinadores utilizam este ponto como muleta para se colocarem como vítimas do sistema. No caso de Dorival, além de ter deixado o clube que o respaldou a ver navios no começo de uma temporada acirrada, ainda tentou desfazer o departamento inteiro de futebol do time paulista, o que mostra que ele não tinha o menor interesse em preservar seu ex-empregador e não valorizava a continuidade do projeto executado.

É possível concluir que há um discurso latente e difundido como verdade no futebol brasileiro, de que os treinadores são sempre prejudicados pelo sistema feroz e resultadista. Porém, o caso de Dorival Júnior mostra que os técnicos são parte crucial do problema e que a gestão futebolística precisa ser feita sempre tendo como base a posição da diretoria executiva e dos profissionais da comissão técnica. No caso em questão, o São Paulo acabou moldando o time-base da temporada conforme as características táticas de Dorival, mas este deixou o clube sem pestanejar. O São Paulo foi lesado e foi vítima de uma hipocrisia que impera no cenário nacional. É fato que existem obstáculos a serem superados para o desenvolvimento do futebol brasileiro, mas os treinadores precisam se colocar como parte do problema. Caso o contrário, ficarão sujeitos a mesma falta de lisura do ex-treinador tricolor.

Por Guilherme Vidal

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