Como Escolhemos Criticar

A epopeica partida entre Botafogo e Palmeiras pela 30ª rodada do Brasileirão 2023, por si só, ficará registrada na história como um dos maiores embates entre líder e vice nos pontos corridos. Assim como a conquista da Libertadores da América pelo Fluminense, no Maracanã, diante do mítico Boca Juniors.

Porém, as entrevistas coletivas pós-jogo de Abel Ferreira, treinador da equipe alviverde, e Fernando Diniz, do Tricolor, também merecem atenção. Em especial, da sociedade do futebol que busca (re)tornar o Brasil ao topo do esporte.

Abel, na última resposta dada aos jornalistas, ao contextualizar a pressão exercida sobre seu time nos períodos de oscilação, diz que precisamos pensar sobre como escolhemos criticar os profissionais do ramo. Como queremos um ambiente esportivo com os melhores se o carregamos de ódio e pressionamos seus integrantes até o limite do tolerável?

Abaixo, transcrevemos as palavras do português:

Nós não queremos que nos aplaudam, ou que nos incentivem ou que nos elogiem quando as coisas vão mal ou quando as coisas não correm. Só que também não queremos sentir ingratidão […] quais são as notícias que tem mais impacto. Não sei quem detona. Esse detona… Vocês gostam de utilizar detona e não sei o que. Torcida de uma equipe escolheu um alvo e detona esse jogador. Se o jogador não for mentalmente forte e ter ajuda da equipe e do treinador, da estrutura.
Por isso é que é tão difícil jogar aqui no Brasil. Por isso dizem que o futebol brasileiro não dá saúde a ninguém. E você depois tem que pensar: será que vale a pena continuar? Será que vale a pena aguentar isso tudo? Será que tenho saco para aturar isso tudo? Chega a uma altura que, se você não for mentalmente equilibrado e ter uma estrutura ao teu redor que te ajuda, chega a ser agressivo.
As críticas têm que existir. Estou há 24 anos nisso e assim que funciona. Críticas e elogios. Agora, há críticas aqui que passam do limite. Chegam a ser ofensivas. Isso tem impacto nos jogadores. Seja do Palmeiras, do Flamengo ou do Corinthians.
Vocês já pararam para ler o que o Willian disse quando deixou o Corinthians? Está super feliz jogando onde está agora e jogando para c#. Muito. O futebol brasileiro teve a oportunidade de ter um jogador desse nível aqui e não o quis. Ele pegou sua família e não quis aturar isso. É isto que temos que pensar todos. Os treinadores, a CBF, o Sindicato dos Jornalistas. É isso que queremos para o futebol brasileiro? Queremos os melhores treinadores ou é melhor tira-los daqui, fazendo comunicados para manda-los embora? Ou não, vamos trazer os melhores, já que temos muitos torcedores, melhores jogos e estádios sempre cheios.
Independentemente do que aconteceu aqui (vitória do Palmeiras), é isso que as pessoas querem: espetáculo. Foi emoção do primeiro ao último segundo. […] Isso aqui é o Brasil. Aqui é assim que funciona. Esse é o apelo que faço a vocês: Se querem os melhores aqui, temos que escolher a forma como queremos criticar, sejam os jogadores, os treinadores e os dirigentes. E essa responsabilidade é de todos. É nossa. De quem faz o futebol.
[…] Nós mandamos jogadores com essa qualidade embora (Willian) e depois queremos ser melhores como? Se os jogadores chegam a uma altura e são tratados dessa maneira? Vou sair daqui e vou para a Inglaterra. As pessoas lá respeitam, sabem que vou jogar bem e mal porque faz parte. Aqui, não se perdoa. Tem que se escolher um vilão. Falhou no gol, é o culpado. E os outros onze lá dentro? E o treinador?
Se virmos em um todo, temos muitos ‘Willians’ aqui. Mas isso é uma coisa que quem devia fazer e refletir é todo mundo. Por que jogadores como o Willian decidem vir e, em certa altura, dizem ‘meus amigos, não estou aqui para aturar isso’ e vão embora? Isso é para todos nós pensarmos“.

Críticas definitivas, inclusive aposentando jogadores ou definindo o caráter do profissional. Ofensas, ataques e perseguições são comuns no Brasil. Algumas derrotas consecutivas e é necessário reformular todo o elenco. Optamos pelo recorte curto e ansioso ao invés da continuidade e confiança. O ambiente é desconfiado, mas por despreparo. Poucos sabem como fazer futebol no País e os processos para se vencer no esporte, sendo cômodo falar mal baseado exclusivamente no resultado da partida.

Ao observarmos a partida posterior à entrevista, vemos John Textor, proprietário da SAF Botafogo, acusar gravemente CBF e árbitro, além de discutir com o próprio Abel Ferreira. Comissão técnica do Glorioso perseguindo a arbitragem nos bastidores. Fora de campo, há poucas semanas, torcedores do Palmeiras ameaçaram e depredaram lojas da empresa da Presidente e principal patrocinadora do clube, Leila Pereira.

Essa é a forma construtiva de se criticar?

Imbuídos em ódio, fomentado pela paixão cega do torcedor? Ou compreender que nossos padrões são inatingíveis?

Não há equipe capaz de vencer todos os jogos de uma competição. Resultados excepcionais são históricos exatamente por serem únicos. Exigir a excelência sempre beira a ingratidão. Nada retornará ao torcedor no mesmo nível de paixão que ele tem pela sua equipe.

Grandes jogadores, treinadores, executivos, jornalistas e árbitros não cogitam vir ao Brasil não só pelo financeiro, mas pela qualidade de vida. Segurança e compreensão do razoável são requisitos mínimos, e no Brasil isso é raridade.

Corroborando com essa posição, Diniz pondera sobre como julgamos atletas e demais profissionais sem termos todas as informações sobre eles, ignorando a parte humana das pessoas:

O futebol não dá conta de absorver (John Kennedy, e seus problemas extracampo), mas porque muitas pessoas usam o jogador como objeto desde quando chegam nas categorias de base, sem olhar para o que querem e o que precisam.
As pessoas se incomodam mais do que eu (sobre críticas recebidas). Não é a Libertadores, o ganhar, que vai fazer de mim uma pessoa melhor ou pior. Me considero uma pessoa muito trabalhadora, e amo o que faço. Procuro ser um excelente marido e pai de família. Um excelente amigo. São meus maiores títulos. Não levantar a taça. O futebol precisa mais desses títulos.
Pouco me interessa se as pessoas vão falar que entrei em outro patamar, essas baboseiras que não me valem. Levantar um título não altera meu patamar. É importante ganhar, mas não sou o que falam por uma conquista. Sou a mesma pessoa. Vou celebrar hoje, mas segunda-feira tenho trabalho para fazer. E espero aprender com essa vitória da mesma forma que aprendi nas outras vezes em que perdi.
[…] Aqui no Fluminense não é um jogador só. Existe a falsa ideia de que os grandes campeões são só aqueles que ganham. A gente tinha a chance de ganhar e de perder. Tivemos muitos sobressaltos em um ano e meio e conseguimos melhorar muito.
[…] As pessoas mudam de opinião se você ganha. Mantenham a opinião. Essa vida é tão sem graça, tão boba, essa vida que muda conforme o resultado, sem consistência, não é uma vida que quero para as pessoas que estão do meu lado.
[…] (para alguns) O Marcelo nunca pôde jogar aqui. Nunca pôde jogar junto Marcelo, Felipe Melo e Ganso. Que as pessoas sigam falando que não podem jogar. Os campeões da Libertadores. Tem que ter peso e culhão para falar. Se perdêssemos, eu estaria aqui bancando os três, porque falo o que acredito. Não mude a versão porque ganhou. Que tipo de pessoa é essa? Qual o mérito dessa pessoa? Senão é uma vida muito fácil e frívola.
[…] Sempre entrei em todos os jogos na minha vida querendo vencer. As pessoas acham que ter uma maneira de jogar, que eu acredito, não é querer vencer. É absolutamente sem sentido. Sempre apostei na crença fundante de ajudar os jogadores, proporcionar prazer em jogar, e que aqueles que assistem tenham prazer em assistir. Essa é a maneira, para mim, de melhor chegar ao resultado. E se não chegar, você deixa alguma coisa de positivo. A grande baboseira é pensar que quem perde é um grande fracassado. Isso me irrita profundamente.
[…] A minha voz é amplificada (após o título). O que falo desde o Votorantim, e depois de hoje vão circular, pelas pessoas mirarem naqueles que ganham. Por isso, é importante. Mas acho mais importante a gente mirar nas pessoas que trabalham. Trabalham honestamente. Trabalham duramente. Do que naqueles que ganham. Não temos esse hábito. Quero que meus filhos aprendam na escola, não que tirem nota azul. Precisamos focar mais nas causas e não nos efeitos. Para melhorar, precisamos trabalhar na causa.
[…] As derrotas machucam muito. Tem gente que é muito cruel. Tem gente que fala o que tem que fazer mesmo e consegue apontar defeitos que precisamos melhorar. E tem uma galera só com crueldade e maldade. Tentam machucar. Não me machucam muito e não me estimulam. Não trabalho para elas. Essas têm o caminho já traçado. Procuro aprender com aqueles que fazem críticas honestas e que valem a pena ouvir e aprender. Já fui muito machucado. Sofri muito jogando futebol. Uma parte substancial da imprensa trata os jogadores como objeto. Ninguém é uma pessoa. A pessoa só é aquilo que joga ou deixa de jogar. É aquela distorção de dizer que o Felipe Melo não pode jogar desde o Estadual. Nós somos alvos. O dia que dá alguma coisa errada, você pode ter nada a ver, mas é você. E ele tá aí com 40 anos. Quando cheguei, o cara saia chorando do treino. Tem amor pelo futebol e pelo que ele faz. Mas isso não divulgam muito. Divulgam o que é conveniente para ofender e machucar.
O Fábio tem 43 anos e entregou um gol, no ano passado, contra o Olimpia. Falaram que não sabia jogar com os pés. Aprendeu, se dedicou. Quando cheguei no Fluminense, eu chegava meia hora antes do treino para passar treino com os pés só pra ele, antes de começar a sessão de treino. Pagou o preço e hoje é o goleiro da Libertadores e do Brasileiro que mais fica com a bola no pé. A gente tenta e, se não ganha, mas pessoas empurram ladeira abaixo e é difícil voltar. Se não tem apoio interno, convicção e paga o preço de ser criticado, você perde pessoas, como o John Kennedy. A gente devia olhar para o próximo John Kenndy. Onde está precisando de ajuda? Faria um bem muito maior pra sociedade do futebol do que só ficar celebrando o título”.

Então, como escolhemos criticar?

Por Pedro Parada.

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