Mercado da Esperança

Diversos mercados apostam na nostalgia como fator mobilizador. O cinema produz continuações, reboots e remakes com frequência, apostando no sentimento da audiência como fonte dos lucros. Roteiro, interpretação e produção, relacionados à qualidade da obra, ficam em segundo plano. O importante é gerar emoções no espectador – sejam boas ou ruins – e, ao final, ser remunerado. Suga-se até a última gota daquele “universo” antes de deixa-lo para trás.

No futebol, a nostalgia aplica-se da mesma maneira, mas agregada à esperança do torcedor. O desespero, combinado à saudade dos bons e velhos tempos de glória, fazem com que os clubes, em momentos desesperados, busquem segurança em treinadores e jogadores vencedores pelas suas cores, independentemente do tempo passado.

A contratação de Mano Menezes pelo Corinthians e a sombra de Tite na mesma instituição são provas disso. O eterno chamado à Jorge Jesus, pelo Flamengo, corrobora esse entendimento. O Atlético Mineiro, quando apertado pela exigência de resultados, clamou por Cuca, mesmo com suas questões pessoais fervilhando nos bastidores.

Ex-presidente do Flamengo, Bandeira de Mello compara Jorge Jesus e Tite, e diz preferir o técnico da Seleção Brasileira | Flamengo | O Dia

Tite, para o Corinthians, e Jorge Jesus, no Flamengo, representam o saudosismo dos tempos de glória. Sozinhos, contudo, não são capazes de reerguer as equipes (Créditos: O Dia – IG)

Não há planejamento que resista ao Mercado da Esperança. Nele, dirigentes negociam com atletas e comandantes visando manipular a emoção (e desespero) dos torcedores. Vencedores do passado são alçados ao patamar de unanimidades e se tornam a materialização da esperança, semelhante às figuras religiosas.

Rogério Ceni, uma das maiores figuras do futebol nacional e do São Paulo, foi utilizado como bode expiatório pela diretoria do Tricolor em suas duas passagens como treinador. Aglutinava a função de comando técnico com a de dirigente, usufruindo de coletivas de imprensa para requisitar melhorias no Centro de Treinamento. Sua imagem como jogador permanece poderosa, mas o treinador já possui ressalvas por parte da torcida.

Estendendo a compreensão do Mercado da Esperança, alguns mitos são idolatrados na parte de direção dos clubes. Andrés Sanchez, cacique político do Corinthians, participa ativamente do comando do alvinegro paulista desde 2007 e há possibilidade de se tornar Diretor de Futebol da equipe em 2024. Pedrinho, ex-atleta e comentarista esportivo, irá se candidatar à Presidência do Clube Social do Vasco da Gama nas próximas eleições.

No Gigante da Colina, inclusive, a empresa 777 Partners é tida como a fonte de perspectiva da instituição. No Bahia, a lógica se aplica ao Grupo City, principal comandante da SAF. Porém, há também personificações desses messias. John Textor, no Botafogo, Ronaldo “Fenômeno”, no Cruzeiro, e Leila Pereira, no Palmeiras, propagam suas imagens como donos e salvadores dessas centenárias agremiações.

Palmeiras define alvo no mercado da bola e Leila Pereira pode buscar chapéu no Grupo City e Cruzeiro

Ronaldo e Leila reestruturaram seus clubes de formas diferentes: O primeiro se tornou acionista majoritário da SAF Cruzeiro. Já Leila fortaleceu o Palmeiras com patrocínios e, após tornar-se popular, venceu as eleições para presidência. Na prática, ambos “compraram” os times (Crédito: Radas Esportes)

É evidente que tais figuras têm seu valor histórico e importância para o desenvolvimento, solidificação e reestruturação desses clubes, mas tê-los como Oásis de Esperança é contraprodutivo e vicioso, pois serão sempre celebradas e cotadas a retornarem aos cargos em tempos de instabilidade. Problemas diferentes exigem pessoas e soluções diferentes.

Além disso, existem equipes ao redor dessas pessoas. Funcionários, colegas e parceiros qualificados que  produzem e alavancam as figuras no comando. Não se pode contratar treinador vitorioso e fornecer a ele elenco incapacitado, adquirir jogador extraclasse e coloca-lo com outros abaixo da média, ou escolher diretor de muitas contratações sendo que o clube está quebrado.

A instituição deve ser sólida por si só. Em períodos de crise, a fé permanece no clube pelo que ele é, independentemente dos profissionais presentes em campo ou na diretoria. Isso se constrói com o tempo, principalmente com a composição de departamentos qualificados e voltados ao resultado desportivo.

O sucesso e a estabilidade estão atrelados à mentalidade instrínseca da agremiação e aos funcionários permanentes, como comissão fixa, scout, departamento médico e colaboradores do dia a dia. As pessoas passam e os clubes ficam.

Por Pedro Parada.

 

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